Atualmente estou lendo o livro Elize Matsunaga: A mulher que esquartejou o marido, escrito por Ulisses Campbell (que também é responsável por um livro sobre a Suzanne, a Flordelis e mais recentemente Tremembé – que vai virar série da Prime Video) e confesso que não foi o tipo de leitura que eu esperava.
Quando comecei a leitura esperava conhecer mais sobre o caso em si, as motivações da Elize para o que fez, informações sobre a condenação, mas acabou sendo uma biografia (acho que não autorizada) sobre ela. E várias informações (honestamente sem importância alguma) sobre como funciona a prostituição no Brasil, e como é esse mundo para essas moças que trabalham com isso.

A minha edição em si, que é digital, é bem ruinzinha. Cheia de erros de digitação e decodificação numeral. Então quem quiser ler leve em consideração a edição física mais recente que tem na amazon.

Continuando sobre o que o livro trouxe de novidade. Temos algumas pinceladas de como supostamente estava o estado mental da Elize quando cometeu o crime, além também de como era a própria vítima – para além de apenas ‘vítima’ – inclusive, esse segundo parecia ser alguém muito misógino, bastante arrogante e com claros problemas psicológicos não tratados (o mesmo serve para a Elize). E talvez para algumas pessoas isso possa ser ‘perigoso’, pois tira totalmente a vítima da posição de ‘coitado’ e alguns começam a até mesmo justificar o que a Elize fez.

Então temos ali pouco mais de 300 páginas sobre uma moça que veio de uma família completamente desestruturada e precisou fazer o que podia com o que tinha na época para se sustentar e conseguir o que ela almejava (muito ambiciosa a moça inclusive). E de um outro lado temos versões de histórias que mostram a vítima como alguém viciado em sexo – em prostitutas em si – e viciado em armas/caça. Também até pinceladas de casos envolvendo outros milionários brasileiros, donos de grandes lojas no país (mas esse vocês vão ter que ler pra descobrir).

Acho num geral bastante interessante nós termos esses vários lados de tudo. O que a Elize vê como fato, o que pessoas que conheceram ambos tem como fato, o que pessoas que só conheceram um deles tem como fato e isso me fez pensar como tudo no mundo é muito mais complexo do que costumamos imaginar.
O crime da Elize poderia ter sido evitado se ela apenas tivesse ido embora, ou talvez ela pudesse vir a ser a vítima se tivesse esperado muito pra agir/reagir, ou talvez não também, talvez muitos no lugar dela teriam agido de forma parecida ou pior, ou não tivessem feito nada. Quando a gente se distancia um pouco do emocional do crime cometido e começa a analisar melhor cada pecinha desse enorme quebra-cabeça, no fim as coisas ficam muito diferentes. Até mesmo o julgamento sobre um ou outro acaba ficando mais balançado.

Agora, mais do que apenas relatar sobre os envolvidos, o livro do Ulisses me fez questionar um pouco sobre essa naturalização bizarra da prostituição no Brasil. Quando você lê no livro que até mesmo policiais frequentam lugares assim, e outras pessoas que no imaginário popular seriam vistas como ‘respeitáveis’, acaba dando um misto de raiva e nojo dessas pessoas.

Eu, pessoalmente, detesto a ideia da prostituição não ser criminalizada no Brasil. Na minha concepção isso contribui muito para a imagem objetificada de muitos homens sobre as mulheres. Inclusive, no livro a motivação da Elize, pelo que é relatado, teria sido justamente o fato da vítima chamar ela de prostituta, alcunha pelo qual a própria Elize já não se via mais (afinal tinha deixado de ser garota de programa e estava sendo mãe e dona de casa) e que ao ver tal palavra repetida diversas vezes pela boca do Marcos teria ficado muito irritada e, praticamente nas palavras dela, teria atirado para “calar a boca dele”.

Quando a gente lê esse livro, percebe que não apenas a objetificação nojenta que a prostituição ajuda a perpetuar, mas também, uma violência física (afinal os homens que contratam essas moças não as usam apenas para relações sexuais, muitos inclusive usam elas para praticar atos violentos absurdos e até mesmo certos fetiches criminosos) e isso afeta muito essas moças. No livro é relatado o caso de pelo menos umas três garotas que desenvolveram depressão profunda justamente por estarem inseridas nesse meio, uma delas inclusive chegou a tirar a própria vida. E acabamos lendo relatos que vão muito naquela contramão do “mas é só elas saírem dali”, “ninguém mandou vender o próprio corpo” e palavras parecidas, pois muitas dessas moças acabam entrando nesse ninho de cobra muito novinhas. Elize mesmo entrou nesse mundo com apenas 15/16 anos, uma idade onde nosso cérebro sequer está 100% desenvolvido. Algumas que entram na prostituição acabam não vendo outra alternativa. Sentem que não são capazes de outros trabalhos mais dignos (afinal um lar desestruturado também destrói muito nossa ideia de EU), sentem que se prostituir é a única saída. Quem vê de fora sabe que tem sim outras alternativas, que essas moças, tão jovens, poderiam ser ajudadas com qualificações técnicas para conseguirem emprego ao mesmo tempo que tentam sair desse ambiente doméstico muitas vezes perigoso. Mas quem tá inserido dentro desse caos, infelizmente não consegue ter essa noção de que tem sim alternativas melhores.

Claro que também temos aquelas moças que optaram em entrar na prostituição para ter mais dinheiro em um tempo mais curto e tudo mais, mas elas não são a maioria. Tanto é que muitas no momento que aparece algum cliente prometendo tirar elas dessa vida, elas aceitam cegamente sem nem pensar duas vezes. Elas vem nesses clientes algo como um herói. E segundo o livro, a Elize teria tido exatamente esse tipo de visão quando cruzou o caminho de Marcos Matsunaga.

Agora quero deixar algo bem claro aqui. Apesar de sim, o livro nos mostrar um Marcos muito problemático, misógino, violento e tudo mais, ainda assim foi uma vida ceifada. Eu não sou o tipo de pessoa que defende que “certas pessoas merecem morrer” ou coisas parecidas. Então ao mesmo tempo que talvez eu consiga entender o lado da Elize, também acho justo que ela tenha sido condenada e tudo mais. Infelizmente a família do rapaz acabou perdendo de maneira horrível um ente querido, e isso precisa ser levado em consideração.

E quanto a Elize, atualmente ela usa o nome “de família” e não mais o nome de casada e pelo que soube trabalha como motorista de aplicativo.

O livro é bem interessante, mas algumas passagens poderiam ser cortadas ou diminuídas (como por exemplo a insistência do autor de praticamente a cada capítulo colocar trechos de música e citações de música – sério, isso deixava o livro muito entediante em alguns momentos) e também teria sido de bom tom vir com aviso de gatilhos para pessoas que sofrem de ideações suicidas – nessa parte preciso alertar que tem um trecho do livro onde um diário de uma pessoa suicida é transcrito e acabamos tendo acesso ao modo de pensar dessa pessoa, então queridos que sofrem dessa maldição da ideação suicida, por favor, se decidirem ler, leiam com consciência e suporte emocional.

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Andressa

Andressa é uma estudante de biologia que gosta de se aventurar na escrita, na pintura e na fotografia. Andressa também é uma pessoa introspectiva, que busca aprender mais a respeito da imensidão da Terra e a complexidade humana.